sexta-feira, 12 de outubro de 2007

TRÊS ANOS, TRÊS DÉCADAS...

(Para Claudia, amor sublime!)


Três anos que parecem três décadas!
Senti o gosto de seus lábios naquela noite envolvente,
O fim de uma longa espera num momento reluzente,
O êxtase prolongado, o frescor renovado, o amor conquistado.

Três anos que parecem três décadas!
Juntos, sinto-me forte, sereno, sou um novo homem.
Juntos, a solidão e a depressão enfraquecem, e somem.
Juntos, a brisa é vento, o sono é descanso - tudo é alento.

Três anos que parecem três décadas!
Ao seu lado, escrevo com paixão.
Ao seu lado, cultivo a emoção.
Ao seu lado, valorizo a expressão.

Três anos que parecem trés décadas!
Nosso namoro-casamento é a maior alegria da minha vida.
Nosso casamento-namoro é a melhor inspiração recebida.
Nosso namoramento ou casamoro é a expansão do amor.

Três anos que parecem três décadas!
Anos que fluem, abarcando épocas.
Anos que unem, transformando vidas.
Anos que redimem - maneiras compreendidas.

Três anos, três décadas...

sábado, 4 de agosto de 2007

OLHAR PARA O PRESENTE

Olhar para o presente, sorrindo ternamente,
Deixando no esquecimento tudo o que foi.
Ter na lembrança somente o que não dói,
Vivendo e sentindo cada instante, alegremente.



Esperar pelo que virá, querendo o melhor,
Sem desistir, sem desanimar, mas acreditar...
Acreditar no que virá: o contentamento maior,
Que é real e completo, não é possível inventar.



Olhar para o presente, sorrindo suavemente,
Deixando no esquecimento tudo o que entristece.
Ter na lembrança somente o que fortalece,
Vivendo e apreciando cada instante, simplesmente.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

TÃO JÁ?

(Em memória do poeta Bruno Tolentino)

Tão já, poeta-filósofo? A poesia fica menos.
Não haverá teu verbo refletindo sobre o sobre,
acima dos andares do edifício da palavra,
entre os andares do artifício da idéia.

Não a composição estratosférica, despojada de silêncio.
Não a lasca de uma estrela cintilante,
rompendo o céu numa chuva perene.

Tão já, poeta-síntese? A poesia lacrimeja.
Aonde sua expressão antagônica,
fuga das atrocidades,
pedra angular da vida,
ironia?

Tão já, poeta-poema? A poesia chora.
Não haverá teu nome,
Bruno Tolentino,
cravado em poemas de luz noturna,
Não sua imaginação provocadora,
inteligência viva.

Resta o descanso de sua poesia,
idéia da existência, resistência ao banal,
expressão da voz metafórica.

Resta o descanso de sua poesia,
apreciando-a sem engasgar-se
com as lágrimas de sua lembrança.

27/6/2007

quarta-feira, 4 de julho de 2007

OFERTE-ME (4)

oferte-me a abóbada da noite,
disposta num candelabro,
e a lua brilhará em sua face,
e sorrisos florescerão em seus lábios,
e cometas riscarão o céu,
e embalarei-a nos braços,
e suspirarei uma canção de amor.

oferte-me a galáxia de seus cabelos,
flutuando em riachos sobre meu rosto,
e a Terra girará musicalmente,
bailando sobre o infinito,
e o sol aquecerá seu corpo,
derretendo-o numa chuva de néctar,
formando uma cortina desenvolta.

oferte-me o encantamento de seus olhos,
montanha reerguida sobre o oceano,
horizonte rubro, entardecer crepitante,
cisnes deslizando sobre a correnteza,
e os instantes congelarão,
e as rochas retornarão ao pó,
e caminharemos juntos pelas épocas vindouras.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

POEMA Nº 15

Aonde a neblina é mais opaca que a nuvem?
Aonde o sol é uma flor, um girassol retorcido?
Aonde o pássaro é uma canção?
Aonde o cesto é uma cidade de buracos?
Aonde o mergulho é uma satisfação?
Aonde o pedregulho é semente?
Aonde a água é estrada?
Aonde o café recém-coado é petróleo?
Aonde a voz é o som da alma?
Aonde o esconderijo do pensamento?
Aonde o tempo escoa numa ampulheta?
Aonde o refúgio crepuscular do eremita?
Aonde o poema espera para ser colhido?
Aonde o mistério é desvendado?

POEMA Nº 14

Saciar a sede inesgotável de tê-la
entre terremotos passageiros,
entre tremores da cama,
entre redes de lençóis,
entre barricadas de travesseiros,
entre dizeres e não-dizeres,
entre olhares e não-olhares,
entre o amor que conduz ao amor,
entre o amor que é o descanso do amor.

POEMA Nº 13

Ouvir o som silencioso de sua voz
no entreato de uma tarde sonolenta.
Despertar diante de seus olhos,
respirando o ar serrano,
que permanece nas lembranças
da viagem de um ano atrás.

Persistir sobre as cachoeiras,
vitral das janelas abertas à luz.
Saltar entre pedras e perdas,
sujando os sapatos de areia.

Sentar-se para sacudir a areia dos sapatos e comungar com a vida.

POEMA Nº 12

Procurar uma sombra
para proteger-se da chuva
de sóis líquidos,
derretidos em gotas,
orvalhando as ruas,
cobrindo postes aleatórios.

A sombra é o contorno espesso do corpo.

Divagar sobre a essência do mundo,
construindo armações de arames
e preenchendo com palavras.

Procurar uma clareira disponível,
enredando-se em capins irregulares,
até ouvir o som de pássaros sobrevoando.

Os pássaros são os porta-vozes musicais da natureza.

sábado, 30 de junho de 2007

POEMA Nº 11

Desfazer-se do cão, lobo do quintal,
que uivava à lua, mas chorar sua ida.

Rodopiar com os braços abertos em redemoinhos,
formando estátuas de areia sobre o chão de cimento.

Esta angústia de não enxergar o fim da clareira.

Uma coruja sobrevoa o teto compacto,
à espreita de uma sombra roedora.

Os cabelos latejando de maciez, despejados no tonel de vinho.
E seus lábios tiveram gosto de romã,
quando a luz os rebrilhou
descendo pelas encostas
de seu corpo.

Esta sede obsessiva de fotografar seu rosto.


sexta-feira, 29 de junho de 2007

POEMA Nº 10

Explodir entre suas pernas,
num mergulho benfazejo.
Nadar noite adentro, dia afora,
usurpando o espaço de seu corpo,
adentrando em seu ventre.

Esta leveza que rescende à brisa do mar.

Enfileirar os pensamentos,
aprumar o caos formado,
como se fosse possível
pendurar gotas na vidraça da sala.

Esta agitação que supre a falta de Minas.

POEMA Nº 9

Colher um ramalhete de flores,
em seu umbigo,
dilatando a água
escorrida pelo corpo.
Acender as estrelas de seus olhos,
respirando o ar desconexo.
Ascender ao degrau mais alto,
levitando sobre a cidade.

Colher o néctar de seus seios,
frutos simétricos,
ante a exaustão do depois.
Romper o caminho longo do sono,
num bosque de pedras esgotadas.
Esticar a fuligem da chaminé,
deixando pegadas na areia movediça
que estende-se em cipós pelo pensamento.

quarta-feira, 27 de junho de 2007

POEMA Nº 8

Apaziguar a cama em retalhos de algodão,
desobstruindo as artérias do quarto.
Abraçar a passagem da porta,
luz que invade as têmporas brancas,
mas não acalma os gansos no viveiro.
Virar o rosto semicontorcido,
apalpando as jabuticabas do pomar.
Permitir que o verbo faça-se carne,
delineando os dizeres
fantasmagóricos
no rodapé
da margem
da cama.

segunda-feira, 25 de junho de 2007

POEMA Nº 7

Retorcer a madrugada,
retirando sua plumagem.
Tocar em sua pele, imberbe,
tecido da noite, fim do crepúsculo.

Apalpar a luz semiconsciente,
urdir um plano de vôo, fuga,
ser um adorno simplesmente,
antes do sol ser gestado.

Levantar-se da letargia,
boca sedenta de um cálice de vinho,
aquietar-se na mesmice do sono invulgar,
dialogar com o silêncio, verbo irregular.

Esta constante plenitude de polir os versos.

domingo, 24 de junho de 2007

POEMA Nº 6

Os braços são ponteiros dobráveis;
as pernas, suportes firmes.
O corpo é um relógio analógico;
o homem é o escriba do tempo.

As imagens pulsam na memória,
como se acontecessem
e já não tivessem sido.

Porque tudo é descomunal, terra de gigantes,
quando a infância desponta?

A bisavó acalentava-me em seus braços centenários,
contava histórias que um dia iria entender,
mostrava-me a paisagem diurna de Minas,
sorria como nuvens nos montes íngremes.

A bisavó deixou de ser antes que eu andasse,
antes que eu falasse.
A bisavó saltou para dentro de suas histórias,
mas antes recebeu um beijo,
porque eu não andava, não falava, mas beijava.

POEMA Nº 5

Dedilhar uma canção,
antes que o sol queime a noite,
invada a sala com seus raios,
ensolarando cada borda, cada fresta.

Criança, caminhava
sem camisa,
sem sapatos,
sem amarras,
era um animal correndo pelo sertão
do quintal limitado.

Criança, escalei o portão dos limites,
alpinista inveterado,
e com a ajuda do ferro retorcido,
saltei à rua esplêndida de sonhos.
Fugi de feras, em regiões pantanosas
e cheguei sedento a um riacho,

guiado por um gigante de cabeça nas nuvens.

POEMA Nº 4

Atender ao apelo monástico
de seus lábios,
num lampejo,
num círculo,
num esboço.

Envolver sua face,
lume de cobre,
com o espaldar
das mãos deleitosas.

Fazia frio quando os pingos de chuva
desceram, agarrando-se à janela,
misturando-se
ao vidro da madrugada
delirante.

Quis roçar os olhos nos olhos de seus lábios,
mas a rua movimentada foi mais rápida.
Pude, apenas, sorver um olhar,
sentir o calor de suas mãos
e quase me afogar
no lago de seu colo.

A ardência da espera antecipada.


sábado, 23 de junho de 2007

POEMA Nº 3

Saber o sabor da presença,
sem lentes, aros,
concentração.

Ouvir a respiração flutuando,
anêmona deslizando pelo mar,
até os olhos arderem,
cansados.

Vestir os olhos,
cobrir as pálpebras crescidas,
antes que a luz seja apagada.

Naquele dia,
diante da angústia,
fiz um barco de papel e
naveguei até uma ilha,
formada por bancos de areia.

O tempo é cercado por água.

POEMA Nº 2

O vento carrega em si
impressões, espantos,
cadarços trocados,
sapatos furados,
solas rentes ao chão.

Um cão uiva, sedento,
num canto triste,
lamento.




sexta-feira, 22 de junho de 2007

POEMA Nº 1

Não é possível medir palmo a palmo
a profundidade de uma erosão,
porque torna-se maior
à medida em que as mãos
retiram punhados de terra,
partes de sentimentos áridos,
e os lançam à borda.

Fosse noite, sentiria seu sono
dilatando,
repousando
de sonhos.
Fosse dia, nenhuma estrela
permaneceria acordada,
com olhares longos,
fugindo do tempo.

E pensar que a mesa de carvalho
tem sobre si mais que recordações.
Tem sobre si o vento
das respirações concentradas
e
as marcas de cotovelos impróprios.

Quando, juntos, construíamos navios,
armadores
amadores,
deslizávamos pelo mar bravio,
à procura de constelações de peixes.

Permitir que o espaço seja uma moradia,
sem limites,
sem paredes invisíveis,
sem o teto jugular,
vivendo sob o solo convertido em céu.



DENTRO DA NOITE FRIA

dentro da noite fria



uma criança
duas crianças
várias crianças



longe da infância
com pouca idade e tristes lembranças
permanecem pelas ruas que vão se formando
ruas de


terra
paralelepípedo
asfalto
descalças
forçosamente caminhando
recolhem latas
vendem doces



dizem: “a genti chegô agora mais já vamu imbora”
mas chegaram há muito tempo
têm as ruas como moradas
há muito tempo são maltratadas
há muito tempo pedem esmolas
há muito tempo deixaram a escola



(algumas nunca foram)



há muito tempo choram



dentro da noite fria



uma criança
duas crianças
várias crianças


não perdem a esperança
mesmo nas piores circunstâncias
mesmo longe da infância
mesmo chorando
mesmo mendigando
esperam pelo que mudará
pelo que de novo acontecerá
quando alguém que se importa aproxima-se


e não compra
os doces
e não dá
esmolas
mas pergunta
escreve
e
encaminha

uma criança
duas crianças
várias crianças



que recobram a confiança
e
em
meio
às alternâncias
aprendem
compreendem
deixam o estado de escravidão
do sofrimento
deixam o contínuo lamento
deixam o diuturno tormento
dentro da noite fria



uma criança
duas crianças
várias crianças



voltam à infância
esquecem as tristes lembranças
e já não têm mais medo
dormem para acordar cedo
comem quando têm fome
bebem quando têm sede
afastam-se das drogas e de tudo que consome
vivem num lugar com teto e parede
caminham pelas calçadas
com sapatos
e recebem o que precisam



porque alguém se importou
foi adiante e não desanimou













domingo, 3 de junho de 2007

OFERTE-ME (3)

oferte-me o aconchego de seu corpo sutil
brasa incandescente sobre a relva úmida
e na comunhão
os desejos recíprocos alçarão vôo
até a estratosfera
até o outro lado
e pedras preciosas cravejarão rosas lúgubres
no místico jardim ensolarado
e poças de zinco arderão na tarde
refletindo o prazer alcançado


oferte-me o êxtase de seu corpo tátil
porto entre tormentas
calmaria entre tempestades
e da profundidade emergirão suspiros
e do íntimo borbulharão ondas espumejantes
que na dimensão do sublime evaporarão
no torpor do anoitecer
e uma cortina de estrelas de papel machê
separará o silêncio repentino do barulho ecoante
síntese do amor que pulsa
rodopiando instante a instante

OFERTE-ME (2)

oferte-me o aroma de pétalas de seus lábios esvoaçantes
e o mel da plenitude escorrerá pelo improvável
e o sino metálico corroído pelo tempo renascerá em toques sonoros
e gotas borbulhantes romperão limites
e nuvens grávidas de sonhos ampliarão o horizonte


oferte-me um cálice transbordando do néctar da harmonia de seus lábios
e na conjunção o sol brilhará na noite
e o irreal se confundirá com o sublime


oferte-me o leve roçar das plumas de seus lábios
mergulho profundo no prazer
no lago interminável e ardente
e explodirá em nuvens e chuvas
sob a forma da beleza


oferte-me a sensação inebriante das margens do rio de seus lábios
e a emoção correrá como o orvalho numa folha ao amanhecer


oferte-me o estremecimento de seus lábios
flores acariciadas pela brisa
e a união gerará a plenitude
e o bálsamo do contentamento enlaçará a voz silenciosa da vontade


oferte-me um suspiro sussurrado
e no silêncio repentino um clarão será visto ao longe
e entre o que foi e o que é
galhos despontarão em ruídos verdejantes de sonhos
e estrelas chamuscadas riscarão a madrugada
e seus cabelos se misturarão ao vento
e a realidade será fantasia

OFERTE-ME

oferte-me um cântaro com lágrimas felizes
vivas de encanto
para que possa regar uma flor
que crescerá com a seiva da paixão
que permanece em seu coração
manancial de sentimentos


oferte-me o toque de marfim de suas mãos postas em concha
rosa aberta na noite
e o toque arderá em brasa no frescor do contato íngreme
no torpor do tato sublime
e as raízes do encantamento descerão
pelo solo apaixonante de seu coração
crescendo em ramos e jorrando em cascata
até romper o silêncio rouco de árvores
de galhos envoltos em mistério
e o nada será tudo
e seus olhos
amanhecer repentino
riscarão o espaço íntimo como amêndoas prestes a serem colhidas


oferte-me o brilho de seus olhos cor de pôr do sol
dois castiçais de bronze
e as nuvens balbuciarão sonhos
e cisnes deslizarão
e moinhos prosseguirão
e os ventos da calmaria suavizarão sua face
e o princípio será criado
e os estilhaços serão levados pela correnteza do tempo

sábado, 2 de junho de 2007

POEMA SURREALISTA (2)



Só, uma garota olha para uma fotografia


De 50 anos.


E só, a garota diz ser parecida


Com a cômoda de seu quarto.


A garota, uma bomba nuclear particular,


Fica nua, quando seu namorado,


Voando num submarino, aterrissa em seu corpo,


E em seu corpo, planeja vitórias e lembra-se das luzes


Do país, do mundo.

(Arte: "O Navio", de Salvador Dalí)

DELÍRIOS DIANTE DE UMA PAREDE BRANCA



A parede branca formava figuras tão singelas que, por instantes,
Achei ter visto você, perdida entre as nuvens
Daquela tarde tão confusa e destruidora de sentimentos.
Diante de uma parede branca, pude perceber que algo,
Talvez a vida,
Estava a ponto de transformar-se numa
Doce paciência, distante.
Mas, quando a apressada locomotiva ilusória passou por mim,
Logo me lembrei dos pássaros em seus ninhos,
Ensinando aos seres humanos o que, realmente, é o amor.
Fiquei confuso.
A parede branca, de repente,
Foi destruída e um pequeno riacho surgiu.
Águas cristalinas.
Bebi um pouco e, logo, as águas,
Diante de meus olhos, passaram a ser
A motivação que tanto faltava ao meu coração.
Quis mergulhar no riacho,
Mas foi destruído como a parede branca.
Algumas pessoas estavam ao meu redor.
(Talvez fossem bonecos solitários.)
Apesar de tudo, lembro-me que você sorriu,
E a parede branca apareceu novamente, como que por encanto.
E lá estava você, perdida entre as nuvens
Daquela noite.
Já havia anoitecido e as nuvens ainda permaneciam.
(Talvez não fossem nuvens, mas pinturas feitas pelo seu íntimo.)
Você, naquele momento, era a doce paciência, distante,
Em que a vida havia se transformado.

(Arte: "Mulheres na Noite", de Joan Miró)




sexta-feira, 1 de junho de 2007

AMOR



a apresentação


a simpatia


a identificação

a alegria

a aproximação

a confiança

a compreensão

a segurança

a amizade

a harmonia

a sinceridade

a sintonia

o convívio

o surgimento

o alívio

o sentimento

a vontade

a declaração

a igualdade

a satisfação

o relacionamento

a intimidade

o aumento

a vontade

a vontade

(Arte: "Olympia", de Édouard Manet)

INÍCIO


Mas o que sei agora

É que os instantes me desmotivam

E

Mais que completo

O silêncio me divide


Sou como a sombra que pelo reflexo

Do espelho desta hora

Me faz ver o vento de se ver seus olhos

Até os meus pensamentos se esgotarem

Espero o sentido se formar

Sem me esquecer

Que

Sou o início mais iniciante

Daquilo que tanto busco
(Arte: Basquiat)

PORQUE CANSADO



porque cansado,
vou-me longe, içado
pelo vento,
carregado
em meu pensamento.
porque cansado,
ouço as vozes
daquela que foi embora,
sem ter estado ao meu lado,
e que antes, tanto me fez feliz,
sem ter sentido.
porque cansado,
sozinho,
caminho
e tropeço,
mas continuo,
antes do espaço final,
a me ver de fora,
sem sofrer,
pois, embora
sofrendo,
vou obtendo
explicações,
em meio às decepções.
e anseio me enxergar, como um reflexo
simples, complexo,
desconexo,
sem nexo.
porque cansado,
destruo a tristeza
e observo a beleza
que me deixa encantado.



(Arte: Basquiat)

segunda-feira, 28 de maio de 2007

IMAGENS RECORTADAS


Não havia nada, a não ser um facho de luz,
Onde seu sorriso formava poças de ternura.
Não sentia nada, a não ser seu olhar que produz
Um infinito brilho, onde a certeza figura.


Do meio do bosque improvável,
Uma fera com semblante de ave,
Com um coração ocupado, mas instável,
Saiu e voou, retirando de sua vida todo entrave.



Era dia ainda. O sol esfriava cada instante.
Antes que um sentimento perfurasse minhas incertezas,
Você, com o corpo úmido e inquietante,
Onde os desejos fluíam, como certas correntezas,



Respirou a vida, num beijo profundo
E quente. Seu coração, fervilhando,
Atingiu o que estava no fundo
De seu íntimo, borbulhando...


(Arte: "Sonho", de Salvador Dalí)

POEMA SURREALISTA


A janela aberta devorava

O vento da madrugada,

Que martelava como um trator,

As dores de parto da gazela nua.

E nua, a gazela passeava,

Cavalgando e construindo muros de árvores

Para proteger-se do lixo literário

Despejado nas esquinas do coração

Do país, do mundo.



(Arte: "O Navio", de Salvador Dalí)


AQUELA

(Para Claudia)

na lembrança
aquela que tinha os cabelos claros
como o amanhecer
aquela que sorria sorrisos envolventes
como o entardecer
aquela que tanto dizia
sem nem mesmo precisar dizer
a vejo descendo uma rua infinita
com o rosto radiante e sensível
quando lhe escrevi um poema
onde anunciei que estaríamos juntos




e hoje
aquela que tem os cabelos claros
como o anoitecer
aquela que sorri sorrisos envolventes
como o entardecer
aquela que tanto diz
sem nem mesmo precisar dizer
a vejo da mesma forma
ainda que diga suspirando
¨não sou mais aquela”
porque aquela é em você
a que foi e a que é são a mesma
juntas formam o que sempre existiu: o amor


(Arte: "Maternidade", de Joan Miró)


E GIRA


E gira cada ponteiro do relógio


E gira cada pensamento
cada desejo
cada sentimento
(quarto de despejo
catavento)
cada momento é assim:
vazio
cheio de
NADA


Sem nem mesmo a flor formada
pelo giro
pela força
pela vontade
pelo suspiro
pela poça
pela saudade


E gira cada olho seu
cada estrela do céu
cada barquinho de papel
cada noiva sem o véu
cada colméia sem mel
cada pedaço do meu ¨eu¨
que tanto entende o ¨seu¨


E gira a gíria
em todas as décadas
em todas as épocas


E gira gira gira
a manhã
a tarde todas com ou sem sol


E gira a noite sem sol
com lua
igual a
beleza que é sua


E gira ainda o sol
no meu rosto
que desgosto
que cheiro de formol


E gira o cheiro da água do chuveiro


E gira o travesseiro
No filme o taverneiro
diz ao conselheiro
que um certo seresteiro
beijou a princesa em frente ao canteiro
do jardim do rei
e por lei
a princesa só deve ser beijada
quando estiver casada


E gira gira gira o sol
quando você vestida como o dia
faz explodir toda a magia


E gira gira gira o sol


E gira o sol


É


Um gira


gira
gira
girassol girassol girassol


(Arte: "Os Girassóis", de Vincent Van Gogh)

ENTRE DUAS MANHÃS



entre duas manhãs
o sol posto repõe-se no repasto da noite
e um certo andarilho
desses que trazem da irrealidade o brilho
diz bom dia numa rua da noite
diz bom dia à noite
permanecendo com sorriso incerto
como se tudo pudesse ser desperto
e não houvesse olhar mudo nem nada recoberto



entre duas manhãs
o acalanto à criança recém-vinda
por aquela que cuida alimenta e
ainda muito mais
ainda muito mais faz
quando na gestação da madrugada
o coração é assustado pelo choro
e a luz apagada
cobre de pensamentos estridentes
o antes sono intranqüilo
(lá fora na árvore um esquilo
não
é o barulho do canto e salto de um grilo
no galho formado bem antes da mãe da criança
lá fora dos anos passados restaram
a árvore
o galho
o grilo
e imagens na lembrança)
o choro
tempestade quase sem fim
silencia
e a criança dorme
e o pai dorme
e aquela não



entre duas manhãs
um livro de poemas
letras palavras linhas símbolos
formata anseios devaneios entremeios
e
entre
meios
constrói-se com o arado revolvendo a terra
a poética
a dialética
a estética
com as sementes plantadas
colocadas recolocadas encontradas
sob a forma de textos
sobre assuntos diversos
alguns em versos
outros inversos
também imersos
na textura brancura
da folha
da bolha
na espessura escura
da rolha
da escolha
de como expressar a poesia
entre duas manhãs
quem tem visão não vê
tateia titubeia
não enxerga para fora
e com os pés descalços na areia
não sente o prazer que incendeia
quem não tem visão vê
passeia ceia
enxerga para dentro
e com os pés descalços na areia
sente o prazer que incendeia
e volta e meia
pisa na lua
pisa na duna
pisa na rua
pisa na escuna
navegando de óculos escuros
deslizando
caminhando
a passos largos
pela disposição
pela percepção
pela definição
pela contemplação



entre duas manhãs
próximo a você a noite escorria
como se o tempo sumisse
como se as horas derretessem
como se a incerteza explodisse
como se os instantes acontecessem
e o sentimento naquele completo diálogo
não fosse somente a amizade
mas o amor que emergia
e sensivelmente encobria
os sentidos
e o beijo profundo
longe de tudo
traduziu a cumplicidade
foi a concretização do amor
tendo como pano de fundo
o encontro a suavidade
que acaricia o coração e alegra
com espontaneidade
entre duas manhãs
os lábios unidos partilhavam o mesmo sentimento
dançavam embalados pelo calor do momento
enquanto o beijo alado
tão esperado
era a própria realização do amor
plenamente formado


(Arte: 'The Dutch Settlers, part II", de Jean-Michel Basquiat)

HÁ NA CUMPLICIDADE


(Para Claudia, poesia à primeira vista)



há na cumplicidade de sentir o calor de suas mãos inquietas,
uma suave tranqüilidade e a sensação de tocar na alvorada.
há na cumplicidade plena dos pensamentos da madrugada,
o anseio de apalpar vontades, tornando todas descobertas.



há na cumplicidade que iguala – fazendo de dois, um só –,
algo singular, enquanto por trás da espessa cortina que separa,
a névoa da solidão dá lugar ao sentimento que tanto silenciara,
e proporciona umidade onde, por muito tempo, houve pó,



e completa as ruínas antigas, adornadas por estátuas de areia,
sensíveis ao tempo e desfiguradas por tudo o que incendeia.
há na cumplicidade, a certeza de coexistir sem sucumbir à vaidade,
sem ter os corpos dilacerados por angústias, medos ou receios,
sem conter o amor, correspondido em toda sua profundidade,
sem alimentar o desespero e viver à mercê de devaneios,



sem jamais resistir ao sublime chamado da chama estridente,
que brota de brasas acesas – princípio de fogo intermitente –,
em que o tatalar de asas, faz surgir faíscas e, logo, fogo ardente.



(o que há dez anos era improvável, concretiza-se, de repente.)



há na cumplicidade, a percepção do contato incontrolável,
há na cumplicidade inequívoca, o sentimento inexplicável.
há na cumplicidade da intimidade, a presença acalentadora,
há na cumplicidade que amplia o horizonte, a força vindoura.

(Foto: "Claudia entre rochas vulcânicas, borboleta com asas de pedra", de Elson Teixeira Cardoso )

LIVRO DE VIAGEM

1


e no céu noturno, estrelas exasperadas,
em estado de poeira cósmica, enegreciam-se,
liquefeitas pela imperfeição humana,



formando figuras disformes, em poças serenizadas por uma fina chuva,
ao mesmo tempo em que cães cinzas ladravam pelas esquinas
despovoadas, repletas de ausência e ciprestes.



2


no trajeto, rodovias asfaltadas pela mais-valia da modernidade,
deslizavam freneticamente diante de olhos semicerrados,
em conjunto com ruas, ruelas e becos imprecisos, inexistentes,



rente a árvores secas e canaviais desintegrados pelo fogo,
rente a construções fantasmagóricas, ocupadas pelo passado,
rente ao escuro urbano (moldura para a diversidade).



3


viam-se incontáveis barracos apagados, espalhados pelo solo coletivo,
arremedos de casebres à maneira de palafitas (amanhecidas),
que permaneciam suspensos pela miséria secular,



flutuando inertes sobre valas de esgoto, elos de córregos nauseabundos,
borbulhantes de (do) cólera, banhando diuturnamente a (des) infância de crianças anêmicas,
reticentes à luz do sol, e distantes anos-luz da preocupação real de muitos.



4

houve a imprudência que quase cessou a jornada,
mas vozes ecoaram silenciosamente pelos prados concretos,
e a fumaça que sobreveio do cálice da termeridade,



irrompeu em algo simbólico, uma xícara de café improvável,
esboçada em gestos guturais, que germinaram na indignação
e constrangimento, pelo papel moeda ter que ser ofertado sob pressão.



5

a certa altura, um sono implacável subiu às têmporas,
a passos largos, seqüestrando a concentração
e provocando, por instantes infinitos, um coro de luzes,



tardiamente reluzindo sobre uma névoa espessa,
e atingindo o ápice do contato, em janelas entreabertas,
que deixavam à mostra o delírio de enxergar o rosto num espelho crepuscular.



6

houve o desmoronamento circunstancial, que retirou tetos e deixou vapores,
enquanto aumentava o ritmo de circundar canais, navegando silenciosamente
pelas águas turvas e geladas do mar de pedra da madrugada,



até que, no amparo da sensatez, pés descalços, em contato com o balanço esfuziante,
sorviam o sumo das areias das praias, aquietando-se no concerto de horas tranqüilas,
e afundando mariscos estilhaçados, encontrados entre objetos perdidos há tempos.



7

e de uma janela entreaberta era possível contemplar ruídos diferentes,
barulhos de animais na selva diminuta, à caça de presas,
e apitos de trens de carga, enferrujados pelas águas salgadas,



e vozes, e gritos, e buzinas pelas ruas, diante de ondas arrebentando nas praias,
como se as águas salinares, embrutecidas pelo lixo despejado,
fossem encobrir o lugar, até a muralha de árvores que mantinha-se firme.



8

não se ouvia machados e serras elétricas, apenas o adorno imprescindível
ao equilíbrio do meio ambiente, sem o qual, não haveria beleza natural,
pois os morros, mais altos que edifícios, ameaçavam ruir numa avalanche horrenda,



enterrando as tardes de bronze, em que plantas enroscavam-se nos tornozelos de mármore,
e, sob o sol, pássaros sem caule derretiam-se no calor corpóreo, como faíscas ao vento,
enquanto um formigueiro humano, longe da percepção, multiplicava-se a olhos nus.



9

e um cataclisma cedeu, exatamente no momento em que barras de ferro eram retorcidas,
e vários nós ásperos, desses que contêm o antídoto para o desespero da amnésia,
apertaram as nuvens grávidas de pingos sedentos, prestes a desembocarem,



o que ocorreu quando o mar regorgitou o óleo despejado por um cargueiro,
e caranguejos esbravejaram diante de marés de espuma, ávidos para respirarem,
já que estavam sufocados em redemoinhos dilatados por destroços e conservantes insípidos.



10

bicicletas enferrujadas, conduzidas por portuários madrugadores, consumiam avenidas,
devoravam anos e segundos, e desapareciam na aurora, levando a tempestade de delírios,
que podia ser contemplada do mirante sobre a montanha de ar, que, imaginariamente,



fazia acreditar que as ruas estreitas que desorientavam os caminhos, fossem dar numa ilha
espremida por corais incertos, quando, na verdade, levavam a uma bica centenária e a um
forte desprotegido, onde, no passado, foi quartel-general para soldados de papel.



11

e no quarto, as mãos entrelaçadas rompiam fronteiras e ramificavam-se pela geografia
do corpo feminino, ampliando os instantes contidos numa tarde chuvosa, e parecia
não haver nada que preocupasse, nada que corroesse ou fosse capaz de apagar



a sensação sentida, que derretia como lava pelos poros, enquanto os corpos pendiam
para os lados, juntos, no frêmito impossível de rodopiarem, tendo um precipício abaixo,
logo após o delírio interminável que explodiu, fazendo-se ouvir no horizonte.



12

e os corpos unidos eram um só instante repentino de prazer completo,
e tremiam, embalados pelos cantos longínquos de gaivotas esvoaçantes,
que deslizavam sobre navios pesqueiros, à espreita de peixes capturados,



voando numa coreografia imitada pelos corpos unidos, que buscavam a profundidade
do mar-alto, firmando-se sobre a maciez contínua e provocando sons delirantes,
perceptíveis a ouvidos nus, à medida em que avançavam rumo ao êxtase litorãneo.



13

as calçadas de areia levavam a lugares variados, como lojas de artesanato,
em que objetos indígenas misturavam-se a miniaturas de corujas, símbolo da sabedoria,
e havia algo como o fluxo incerto de vozes, sob uma ponte quase centenária,



e pinturas produzidas no calor do momento, ao passo em que uma boneca-humana,
sobre um estrado, movia-se em câmera lenta, enquanto a quilômetros, uma caricatura de bronze,
vestida com um hábito singular, realizava movimentos robóticos, num cadafalso.



14

e distraía pessoas com vasilhas, que esperavam pela vez de colher água potável,
tão rara nesses tempos de entresafra, em que um poço pela metade é procurado,
e um barril vale mais que petróleo e ouro, sugados da terra em regiões milenares;



e, enquanto a água escorria de torneiras dilatadas, algumas pessoas impacientes
procuravam preencher o vazio, girando as cabeças por enrtre os monumentos expostos,
homenagens em forma de escombros, que rompiam os limites da sensatez.



15

depois, a noite reservou uma estadia amena, no ritmo de ondas que atravessaram o ano,
chamuscadas por fogos e brindes, e saltos, e abraços, até o cansaço surgir antes do sol,
levando ao repouso suave, interrompido pelo momento de ir, subindo a serra arborizada



e preenchida, em parte, por túneis iluminados (com buzinas ensurdecedoras) que cobriam
estradas pulverizadas, e não adiantava querer desviar, porque, nas margens opostas,
o único caminho de volta era perfilado freneticamente por incertezas.



16

e, no céu noturno, não se via nada, além do líquido que caía em forma de arame farpado,
gotas finas e cortantes, como se um rio estivesse invertido, derramando as águas sobre a terra,
revolvendo e alagando tudo, numa rota brutal, impossível de ser descrita.




(Arte: Pintura abstrata de Tomie Ohtake)