sábado, 30 de junho de 2007

POEMA Nº 11

Desfazer-se do cão, lobo do quintal,
que uivava à lua, mas chorar sua ida.

Rodopiar com os braços abertos em redemoinhos,
formando estátuas de areia sobre o chão de cimento.

Esta angústia de não enxergar o fim da clareira.

Uma coruja sobrevoa o teto compacto,
à espreita de uma sombra roedora.

Os cabelos latejando de maciez, despejados no tonel de vinho.
E seus lábios tiveram gosto de romã,
quando a luz os rebrilhou
descendo pelas encostas
de seu corpo.

Esta sede obsessiva de fotografar seu rosto.


sexta-feira, 29 de junho de 2007

POEMA Nº 10

Explodir entre suas pernas,
num mergulho benfazejo.
Nadar noite adentro, dia afora,
usurpando o espaço de seu corpo,
adentrando em seu ventre.

Esta leveza que rescende à brisa do mar.

Enfileirar os pensamentos,
aprumar o caos formado,
como se fosse possível
pendurar gotas na vidraça da sala.

Esta agitação que supre a falta de Minas.

POEMA Nº 9

Colher um ramalhete de flores,
em seu umbigo,
dilatando a água
escorrida pelo corpo.
Acender as estrelas de seus olhos,
respirando o ar desconexo.
Ascender ao degrau mais alto,
levitando sobre a cidade.

Colher o néctar de seus seios,
frutos simétricos,
ante a exaustão do depois.
Romper o caminho longo do sono,
num bosque de pedras esgotadas.
Esticar a fuligem da chaminé,
deixando pegadas na areia movediça
que estende-se em cipós pelo pensamento.

quarta-feira, 27 de junho de 2007

POEMA Nº 8

Apaziguar a cama em retalhos de algodão,
desobstruindo as artérias do quarto.
Abraçar a passagem da porta,
luz que invade as têmporas brancas,
mas não acalma os gansos no viveiro.
Virar o rosto semicontorcido,
apalpando as jabuticabas do pomar.
Permitir que o verbo faça-se carne,
delineando os dizeres
fantasmagóricos
no rodapé
da margem
da cama.

segunda-feira, 25 de junho de 2007

POEMA Nº 7

Retorcer a madrugada,
retirando sua plumagem.
Tocar em sua pele, imberbe,
tecido da noite, fim do crepúsculo.

Apalpar a luz semiconsciente,
urdir um plano de vôo, fuga,
ser um adorno simplesmente,
antes do sol ser gestado.

Levantar-se da letargia,
boca sedenta de um cálice de vinho,
aquietar-se na mesmice do sono invulgar,
dialogar com o silêncio, verbo irregular.

Esta constante plenitude de polir os versos.

domingo, 24 de junho de 2007

POEMA Nº 6

Os braços são ponteiros dobráveis;
as pernas, suportes firmes.
O corpo é um relógio analógico;
o homem é o escriba do tempo.

As imagens pulsam na memória,
como se acontecessem
e já não tivessem sido.

Porque tudo é descomunal, terra de gigantes,
quando a infância desponta?

A bisavó acalentava-me em seus braços centenários,
contava histórias que um dia iria entender,
mostrava-me a paisagem diurna de Minas,
sorria como nuvens nos montes íngremes.

A bisavó deixou de ser antes que eu andasse,
antes que eu falasse.
A bisavó saltou para dentro de suas histórias,
mas antes recebeu um beijo,
porque eu não andava, não falava, mas beijava.

POEMA Nº 5

Dedilhar uma canção,
antes que o sol queime a noite,
invada a sala com seus raios,
ensolarando cada borda, cada fresta.

Criança, caminhava
sem camisa,
sem sapatos,
sem amarras,
era um animal correndo pelo sertão
do quintal limitado.

Criança, escalei o portão dos limites,
alpinista inveterado,
e com a ajuda do ferro retorcido,
saltei à rua esplêndida de sonhos.
Fugi de feras, em regiões pantanosas
e cheguei sedento a um riacho,

guiado por um gigante de cabeça nas nuvens.

POEMA Nº 4

Atender ao apelo monástico
de seus lábios,
num lampejo,
num círculo,
num esboço.

Envolver sua face,
lume de cobre,
com o espaldar
das mãos deleitosas.

Fazia frio quando os pingos de chuva
desceram, agarrando-se à janela,
misturando-se
ao vidro da madrugada
delirante.

Quis roçar os olhos nos olhos de seus lábios,
mas a rua movimentada foi mais rápida.
Pude, apenas, sorver um olhar,
sentir o calor de suas mãos
e quase me afogar
no lago de seu colo.

A ardência da espera antecipada.


sábado, 23 de junho de 2007

POEMA Nº 3

Saber o sabor da presença,
sem lentes, aros,
concentração.

Ouvir a respiração flutuando,
anêmona deslizando pelo mar,
até os olhos arderem,
cansados.

Vestir os olhos,
cobrir as pálpebras crescidas,
antes que a luz seja apagada.

Naquele dia,
diante da angústia,
fiz um barco de papel e
naveguei até uma ilha,
formada por bancos de areia.

O tempo é cercado por água.

POEMA Nº 2

O vento carrega em si
impressões, espantos,
cadarços trocados,
sapatos furados,
solas rentes ao chão.

Um cão uiva, sedento,
num canto triste,
lamento.




sexta-feira, 22 de junho de 2007

POEMA Nº 1

Não é possível medir palmo a palmo
a profundidade de uma erosão,
porque torna-se maior
à medida em que as mãos
retiram punhados de terra,
partes de sentimentos áridos,
e os lançam à borda.

Fosse noite, sentiria seu sono
dilatando,
repousando
de sonhos.
Fosse dia, nenhuma estrela
permaneceria acordada,
com olhares longos,
fugindo do tempo.

E pensar que a mesa de carvalho
tem sobre si mais que recordações.
Tem sobre si o vento
das respirações concentradas
e
as marcas de cotovelos impróprios.

Quando, juntos, construíamos navios,
armadores
amadores,
deslizávamos pelo mar bravio,
à procura de constelações de peixes.

Permitir que o espaço seja uma moradia,
sem limites,
sem paredes invisíveis,
sem o teto jugular,
vivendo sob o solo convertido em céu.



DENTRO DA NOITE FRIA

dentro da noite fria



uma criança
duas crianças
várias crianças



longe da infância
com pouca idade e tristes lembranças
permanecem pelas ruas que vão se formando
ruas de


terra
paralelepípedo
asfalto
descalças
forçosamente caminhando
recolhem latas
vendem doces



dizem: “a genti chegô agora mais já vamu imbora”
mas chegaram há muito tempo
têm as ruas como moradas
há muito tempo são maltratadas
há muito tempo pedem esmolas
há muito tempo deixaram a escola



(algumas nunca foram)



há muito tempo choram



dentro da noite fria



uma criança
duas crianças
várias crianças


não perdem a esperança
mesmo nas piores circunstâncias
mesmo longe da infância
mesmo chorando
mesmo mendigando
esperam pelo que mudará
pelo que de novo acontecerá
quando alguém que se importa aproxima-se


e não compra
os doces
e não dá
esmolas
mas pergunta
escreve
e
encaminha

uma criança
duas crianças
várias crianças



que recobram a confiança
e
em
meio
às alternâncias
aprendem
compreendem
deixam o estado de escravidão
do sofrimento
deixam o contínuo lamento
deixam o diuturno tormento
dentro da noite fria



uma criança
duas crianças
várias crianças



voltam à infância
esquecem as tristes lembranças
e já não têm mais medo
dormem para acordar cedo
comem quando têm fome
bebem quando têm sede
afastam-se das drogas e de tudo que consome
vivem num lugar com teto e parede
caminham pelas calçadas
com sapatos
e recebem o que precisam



porque alguém se importou
foi adiante e não desanimou













domingo, 3 de junho de 2007

OFERTE-ME (3)

oferte-me o aconchego de seu corpo sutil
brasa incandescente sobre a relva úmida
e na comunhão
os desejos recíprocos alçarão vôo
até a estratosfera
até o outro lado
e pedras preciosas cravejarão rosas lúgubres
no místico jardim ensolarado
e poças de zinco arderão na tarde
refletindo o prazer alcançado


oferte-me o êxtase de seu corpo tátil
porto entre tormentas
calmaria entre tempestades
e da profundidade emergirão suspiros
e do íntimo borbulharão ondas espumejantes
que na dimensão do sublime evaporarão
no torpor do anoitecer
e uma cortina de estrelas de papel machê
separará o silêncio repentino do barulho ecoante
síntese do amor que pulsa
rodopiando instante a instante

OFERTE-ME (2)

oferte-me o aroma de pétalas de seus lábios esvoaçantes
e o mel da plenitude escorrerá pelo improvável
e o sino metálico corroído pelo tempo renascerá em toques sonoros
e gotas borbulhantes romperão limites
e nuvens grávidas de sonhos ampliarão o horizonte


oferte-me um cálice transbordando do néctar da harmonia de seus lábios
e na conjunção o sol brilhará na noite
e o irreal se confundirá com o sublime


oferte-me o leve roçar das plumas de seus lábios
mergulho profundo no prazer
no lago interminável e ardente
e explodirá em nuvens e chuvas
sob a forma da beleza


oferte-me a sensação inebriante das margens do rio de seus lábios
e a emoção correrá como o orvalho numa folha ao amanhecer


oferte-me o estremecimento de seus lábios
flores acariciadas pela brisa
e a união gerará a plenitude
e o bálsamo do contentamento enlaçará a voz silenciosa da vontade


oferte-me um suspiro sussurrado
e no silêncio repentino um clarão será visto ao longe
e entre o que foi e o que é
galhos despontarão em ruídos verdejantes de sonhos
e estrelas chamuscadas riscarão a madrugada
e seus cabelos se misturarão ao vento
e a realidade será fantasia

OFERTE-ME

oferte-me um cântaro com lágrimas felizes
vivas de encanto
para que possa regar uma flor
que crescerá com a seiva da paixão
que permanece em seu coração
manancial de sentimentos


oferte-me o toque de marfim de suas mãos postas em concha
rosa aberta na noite
e o toque arderá em brasa no frescor do contato íngreme
no torpor do tato sublime
e as raízes do encantamento descerão
pelo solo apaixonante de seu coração
crescendo em ramos e jorrando em cascata
até romper o silêncio rouco de árvores
de galhos envoltos em mistério
e o nada será tudo
e seus olhos
amanhecer repentino
riscarão o espaço íntimo como amêndoas prestes a serem colhidas


oferte-me o brilho de seus olhos cor de pôr do sol
dois castiçais de bronze
e as nuvens balbuciarão sonhos
e cisnes deslizarão
e moinhos prosseguirão
e os ventos da calmaria suavizarão sua face
e o princípio será criado
e os estilhaços serão levados pela correnteza do tempo

sábado, 2 de junho de 2007

POEMA SURREALISTA (2)



Só, uma garota olha para uma fotografia


De 50 anos.


E só, a garota diz ser parecida


Com a cômoda de seu quarto.


A garota, uma bomba nuclear particular,


Fica nua, quando seu namorado,


Voando num submarino, aterrissa em seu corpo,


E em seu corpo, planeja vitórias e lembra-se das luzes


Do país, do mundo.

(Arte: "O Navio", de Salvador Dalí)

DELÍRIOS DIANTE DE UMA PAREDE BRANCA



A parede branca formava figuras tão singelas que, por instantes,
Achei ter visto você, perdida entre as nuvens
Daquela tarde tão confusa e destruidora de sentimentos.
Diante de uma parede branca, pude perceber que algo,
Talvez a vida,
Estava a ponto de transformar-se numa
Doce paciência, distante.
Mas, quando a apressada locomotiva ilusória passou por mim,
Logo me lembrei dos pássaros em seus ninhos,
Ensinando aos seres humanos o que, realmente, é o amor.
Fiquei confuso.
A parede branca, de repente,
Foi destruída e um pequeno riacho surgiu.
Águas cristalinas.
Bebi um pouco e, logo, as águas,
Diante de meus olhos, passaram a ser
A motivação que tanto faltava ao meu coração.
Quis mergulhar no riacho,
Mas foi destruído como a parede branca.
Algumas pessoas estavam ao meu redor.
(Talvez fossem bonecos solitários.)
Apesar de tudo, lembro-me que você sorriu,
E a parede branca apareceu novamente, como que por encanto.
E lá estava você, perdida entre as nuvens
Daquela noite.
Já havia anoitecido e as nuvens ainda permaneciam.
(Talvez não fossem nuvens, mas pinturas feitas pelo seu íntimo.)
Você, naquele momento, era a doce paciência, distante,
Em que a vida havia se transformado.

(Arte: "Mulheres na Noite", de Joan Miró)




sexta-feira, 1 de junho de 2007

AMOR



a apresentação


a simpatia


a identificação

a alegria

a aproximação

a confiança

a compreensão

a segurança

a amizade

a harmonia

a sinceridade

a sintonia

o convívio

o surgimento

o alívio

o sentimento

a vontade

a declaração

a igualdade

a satisfação

o relacionamento

a intimidade

o aumento

a vontade

a vontade

(Arte: "Olympia", de Édouard Manet)

INÍCIO


Mas o que sei agora

É que os instantes me desmotivam

E

Mais que completo

O silêncio me divide


Sou como a sombra que pelo reflexo

Do espelho desta hora

Me faz ver o vento de se ver seus olhos

Até os meus pensamentos se esgotarem

Espero o sentido se formar

Sem me esquecer

Que

Sou o início mais iniciante

Daquilo que tanto busco
(Arte: Basquiat)

PORQUE CANSADO



porque cansado,
vou-me longe, içado
pelo vento,
carregado
em meu pensamento.
porque cansado,
ouço as vozes
daquela que foi embora,
sem ter estado ao meu lado,
e que antes, tanto me fez feliz,
sem ter sentido.
porque cansado,
sozinho,
caminho
e tropeço,
mas continuo,
antes do espaço final,
a me ver de fora,
sem sofrer,
pois, embora
sofrendo,
vou obtendo
explicações,
em meio às decepções.
e anseio me enxergar, como um reflexo
simples, complexo,
desconexo,
sem nexo.
porque cansado,
destruo a tristeza
e observo a beleza
que me deixa encantado.



(Arte: Basquiat)