sexta-feira, 22 de junho de 2007

DENTRO DA NOITE FRIA

dentro da noite fria



uma criança
duas crianças
várias crianças



longe da infância
com pouca idade e tristes lembranças
permanecem pelas ruas que vão se formando
ruas de


terra
paralelepípedo
asfalto
descalças
forçosamente caminhando
recolhem latas
vendem doces



dizem: “a genti chegô agora mais já vamu imbora”
mas chegaram há muito tempo
têm as ruas como moradas
há muito tempo são maltratadas
há muito tempo pedem esmolas
há muito tempo deixaram a escola



(algumas nunca foram)



há muito tempo choram



dentro da noite fria



uma criança
duas crianças
várias crianças


não perdem a esperança
mesmo nas piores circunstâncias
mesmo longe da infância
mesmo chorando
mesmo mendigando
esperam pelo que mudará
pelo que de novo acontecerá
quando alguém que se importa aproxima-se


e não compra
os doces
e não dá
esmolas
mas pergunta
escreve
e
encaminha

uma criança
duas crianças
várias crianças



que recobram a confiança
e
em
meio
às alternâncias
aprendem
compreendem
deixam o estado de escravidão
do sofrimento
deixam o contínuo lamento
deixam o diuturno tormento
dentro da noite fria



uma criança
duas crianças
várias crianças



voltam à infância
esquecem as tristes lembranças
e já não têm mais medo
dormem para acordar cedo
comem quando têm fome
bebem quando têm sede
afastam-se das drogas e de tudo que consome
vivem num lugar com teto e parede
caminham pelas calçadas
com sapatos
e recebem o que precisam



porque alguém se importou
foi adiante e não desanimou













Um comentário:

Diana Menasché disse...

Fundamental.
Me lembra o neorealismo italiano...