segunda-feira, 23 de julho de 2007

TÃO JÁ?

(Em memória do poeta Bruno Tolentino)

Tão já, poeta-filósofo? A poesia fica menos.
Não haverá teu verbo refletindo sobre o sobre,
acima dos andares do edifício da palavra,
entre os andares do artifício da idéia.

Não a composição estratosférica, despojada de silêncio.
Não a lasca de uma estrela cintilante,
rompendo o céu numa chuva perene.

Tão já, poeta-síntese? A poesia lacrimeja.
Aonde sua expressão antagônica,
fuga das atrocidades,
pedra angular da vida,
ironia?

Tão já, poeta-poema? A poesia chora.
Não haverá teu nome,
Bruno Tolentino,
cravado em poemas de luz noturna,
Não sua imaginação provocadora,
inteligência viva.

Resta o descanso de sua poesia,
idéia da existência, resistência ao banal,
expressão da voz metafórica.

Resta o descanso de sua poesia,
apreciando-a sem engasgar-se
com as lágrimas de sua lembrança.

27/6/2007

quarta-feira, 4 de julho de 2007

OFERTE-ME (4)

oferte-me a abóbada da noite,
disposta num candelabro,
e a lua brilhará em sua face,
e sorrisos florescerão em seus lábios,
e cometas riscarão o céu,
e embalarei-a nos braços,
e suspirarei uma canção de amor.

oferte-me a galáxia de seus cabelos,
flutuando em riachos sobre meu rosto,
e a Terra girará musicalmente,
bailando sobre o infinito,
e o sol aquecerá seu corpo,
derretendo-o numa chuva de néctar,
formando uma cortina desenvolta.

oferte-me o encantamento de seus olhos,
montanha reerguida sobre o oceano,
horizonte rubro, entardecer crepitante,
cisnes deslizando sobre a correnteza,
e os instantes congelarão,
e as rochas retornarão ao pó,
e caminharemos juntos pelas épocas vindouras.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

POEMA Nº 15

Aonde a neblina é mais opaca que a nuvem?
Aonde o sol é uma flor, um girassol retorcido?
Aonde o pássaro é uma canção?
Aonde o cesto é uma cidade de buracos?
Aonde o mergulho é uma satisfação?
Aonde o pedregulho é semente?
Aonde a água é estrada?
Aonde o café recém-coado é petróleo?
Aonde a voz é o som da alma?
Aonde o esconderijo do pensamento?
Aonde o tempo escoa numa ampulheta?
Aonde o refúgio crepuscular do eremita?
Aonde o poema espera para ser colhido?
Aonde o mistério é desvendado?

POEMA Nº 14

Saciar a sede inesgotável de tê-la
entre terremotos passageiros,
entre tremores da cama,
entre redes de lençóis,
entre barricadas de travesseiros,
entre dizeres e não-dizeres,
entre olhares e não-olhares,
entre o amor que conduz ao amor,
entre o amor que é o descanso do amor.

POEMA Nº 13

Ouvir o som silencioso de sua voz
no entreato de uma tarde sonolenta.
Despertar diante de seus olhos,
respirando o ar serrano,
que permanece nas lembranças
da viagem de um ano atrás.

Persistir sobre as cachoeiras,
vitral das janelas abertas à luz.
Saltar entre pedras e perdas,
sujando os sapatos de areia.

Sentar-se para sacudir a areia dos sapatos e comungar com a vida.

POEMA Nº 12

Procurar uma sombra
para proteger-se da chuva
de sóis líquidos,
derretidos em gotas,
orvalhando as ruas,
cobrindo postes aleatórios.

A sombra é o contorno espesso do corpo.

Divagar sobre a essência do mundo,
construindo armações de arames
e preenchendo com palavras.

Procurar uma clareira disponível,
enredando-se em capins irregulares,
até ouvir o som de pássaros sobrevoando.

Os pássaros são os porta-vozes musicais da natureza.